domingo, 23 de março de 2008

Jararaca no Jaraguá

Depois de três finais de semana de chuva em São Paulo, o primeiro feriadão do ano (após o começo do ano propriamente dito: leia-se depois do carnaval), e a primeira previsão de tempo bom no final de semana (ok, chuvas de verão, no final do dia, mas as chances de ter tempo bom eram enormes). Planejava ir até o Pico Paraná (vulgo PP) com o pessoal do CEU, mas por conta da gripe pesada e do tempo ruim, resolvi abandonar a trip.

Conformado e acordando bem disposto no domingo (na verdade não acordei - não dormi literalmente, pois fiquei lendo), resolvi fazer pelo menos alguma coisa para não deixar o feriado passar em branco. Segui para o famigerado Pico do Jaraguá, onde pretendia sujar um pouco os pés e fazer uma subida e descida rápidas, podendo voltar antes do almoço de Páscoa, na casa dos pais. A única trilha aberta nesta época no Jaraguá é a trilha do Pai Zé. Subi em exatos 43 minutos (ante os 41 da primeira vez - maneirei propositalmente dessa vez). Parada no estacionamento do topo, água, ligação para acordar a Deh e toca descer a dita cuja, correndo. Lá pela metade da descida um PUTA SUSTO! Sem sacanagem: pisei (e parei) a menos de um metro do rabo de uma cobra. Linda, mas assustadora (como toda cobra que se preze). Estava prostrada no meio da trilha (bem aberta naquele local). Eu devia ser o primeiro a subir pela manhã e estava sendo o primeiro a descer também. Nunca tinha ficado tão perto de uma cobra em ambiente natural, mesmo nos inúmeros campos da Geologia, onde nos metiámos em pastos e outros locais perfeitos para estes encontros. Era uma Jararaca de respeito (na hora eu só percebi que era venenosa, pelo tipo da cabeça - triangular e pelas narinas. Na portaria do parque, vendo a foto, me disseram que era uma Jararaca mesmo). E a safada estava com a barriga vazia...

Interessante que ela não se deu conta de mim por uns bons 5 minutos, mesmo com a proximidade e todo o barulho que devia estar fazendo na descida. Enquanto observava-a, percebi que no mato, ao lado da trilha, havia um esquilo pulando e se contorcendo. Achei que o FDP estivesse ali brincando, se esfregando nos troncos, curtindo uma safadeza no estilo dos gatos aqui de casa. Pensei: que esquilo estúpido, uma cobra aqui do lado e ele ali, dando bandeira.... Bati umas fotos.... De repente a cobra se liga da minha presença. Dá um salto, vira, faz um "gisssss" (me lembrou o chiado dos gatos quando estão putos uns com os outros) e fica em posição de ataque. PQP, que bicho bonito!.... porra, mas péra! Que cagaço! Acho que ela sentiu o meu calor ou cheiro ou qualquer outra coisa. A distância entre eu e ela era segura (me deu aquela adrenalina mista de contemplação e admiração.... meia de cagaço mesmo). Aos poucos ela foi escorregando (sempre virada para mim e em posição de ataque-defesa) para o mato do lado da trilha, onde estava o esquilo fanfarrão. Naquele momento eu pensei: "pronto, vou assistir a um 'Momento Discovery' ao vivo e de camarote...: a porra da cobra vai entrar no mato e vai dar de cara com o esquilo estúpido. Ledo engano. A jararaca já tinha mordido o danado, e aquilo que eu achava ser brincadeira do dito cujo era, na verdade, sua reação à mordida e ao veneno. A cobra devia ter atacado, tomado umas mordidas (o esquilo tem uns dentes gigantescos), cansado e ido para o Sol, esquentar a pança para o café da manhã especial, de Páscoa e esperar o veneno fazer efeito...

Na sua fuga para o mato, a cobra passou ao lado do esquilo e deu uma sacada nele (meio como quem diz: "te pego na saída rapá"), mas achou que era melhor dar o fora dali, dado a minha presença (um bicho bem grande para ela comer). Se enfiou mais longe, de mim e do esquilo, que veio rolando em minha direção (ponha aqui a voz do narrador do Discovery Channel...). Parou praticamente aos meus pés, se contorcendo. Foi aí que pude ver que ele tinha tomado uma bela picada na bunda. Duas marcas grandes. O danado lambia o lugar da mordida e estrebuchava. Depois de algumas tentativas, consegui pegá-lo (ele mordia forte e se me pegasse arrancava um pedacinho do dedo fácil). Com a cobra já tendo desistido do esquilo (em alguns casos cobras regurgitam a presa para poder fugir com mais rapidez de uma ameaça, como eu era naquela situação), achei que deveria levar o coitado até a portaria e dar na mão de um funcionário do parque (vai saber). Em tempo: eu acho que peguei essa viadagem com bichos do mato com a Deh ou com alguém. Numa situação normal, eu deixava o coitado ali mesmo, cumprindo sua parte na complexa cadeia alimentar - mesmo que apenas vermes o comecem depois da desistência da jararaca - mas sei lá, resolvi levá-lo, num misto de curiosidade mórbida e de tentar salvá-lo - mesmo sabendo que no fundo o bichinho já era). Chegando lá entreguei para um funcionário que parecia ter muitos anos de parque. Foi enfático: vai morrer já-já. Dito e feito. Mostrei a foto da cobra e ele me disse ser mesmo uma Jararaca, e das grandinhas. Pediu para que eu deixasse o esquilo com ele, pois provavelmente poderiam usar no museu (eles guardam cobras também).

Fui embora com o bicho ainda dando seus últimos suspiros (e com as patinhas já geladas). Dá uma dó danada. Esse ano tenho visto muitos bichos pequenos morrerem. A começar com os passarinhos que o danado do Mámá anda caçando (todo satisfeito) aqui em casa, passando por um Sabiá no Alfredo Volpi.

Mas tirando essa frescura de bichinho daqui e dali, valeu a pena pelo encontro inusitado, e pelas boas 1,5 horas de exercício, depois de uma semana parado totalmente.